domingo, 14 de junho de 2015

Guerra de dutos

 (Putin e Endorgan no Azerbaijão)

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Endorgan, tiveram um encontro no dia 13 de junho em Baku, capital do Azerbaijão, para tratar de algumas questões pertinentes aos dois países. Uma delas foi a negociação para a construção conjunta do gasoduto Turkish Stream. Tal projeto vem a substituir o antigo, South Stream, que foi suspenso segundo a imprensa russa por pressão do Ocidente. O novo gasotudo está previsto para sair do litoral russo do Mar Negro até a Trácia, região que abrange a Turquia europeia e parte da Bulgária.

Sobre o projeto, o ministro da Energia e Recursos Naturais da Turquia, Taner Yildiz, afirmou que a posição dos países ocidentais a respeito do projeto do Turkish Stream é "estranha", "inconsequente" e "ilógica", já que a Europa necessita do gás russo. Era de se esperar que tal o projeto mencionado causasse desconforto aos ocidentais ou, pelo menos, que esse desconforto fosse destacado pelos veículos de comunicação russos.

A dependência da União Europeia do gás russo (ver pág. 35-38), especialmente dos países de sua porção oriental, é enorme. Em torno de 1/3 do suprimento do gás do bloco vem da Rússia. Sua principal empresa de fornecimento de gás, a Gazprom, comandada e financiada por lideranças do governo russo, tem mais da metade de suas vendas para o grupo europeu. Essa dependência é vista pela Europa e os EUA como um obstáculo ao aprofundamento das relações transatlânticas e uma trunfo político da Rússia sobre o Ocidente, que se utiliza do gás como forma de pressionar os governos dos países dependentes. Em 2006, por exemplo, uma crise política entre Rússia e Ucrânia à respeito de preços do produto deixaram países da Europa Oriental sem fornecimento por dois dias no inverno; em 2009 uma crise similar, também no inverno, atingiu duramente os países dos Balcãs, durante três semanas. Na ocasião, a crise foi resolvida por pressão da União Europeia, que ameaçou reavaliar os acordos comerciais com os dois países (ver pág. 10).

Há um projeto rival proposto pela União Europeia, chamado Southern Corridor, que é combatido politicamente pela Rússia. Tal projeto é visto por Moscou como uma ameaça à sua liderança de fornecimento energético para a Europa Oriental e países vizinhos da Ásia. Um dos planos europeus é o Projeto Trans-Caspiano e outros similares que preveem a construção de gasodutos da Ásia Central até a Europa através do Mar Cáspio. Na lógica do trunfo estratégico, a criação dessa infraestrutura daria ao Ocidente uma maior margem de manobra sobre a região e diminuiria o pressão da Rússia nas negociações de segurança energética e de preços (ver pág. 35-38).

Outra questão que envolve a segurança energética (e militar) é a aproximação entre o Azerbaijão e o Ocidente através de negociações com a OTAN, devido ao envolvimento desta última no Afeganistão, e de dois projetos de gasodutos que ligam o território azeri ao sul da Europa. A questão ganhou relevância com a crise na Ucrânia, já que a construção desses gasodutos passaria por este país sem adentrar o território russo, permitindo a venda de gás para os ucranianos. Esses projetos diminuiriam a pressão econômica de Moscou sobre Kiev.

Por fim, um acordo entre Rússia e Turquia a respeito do gasoduto pode ser sinal de uma inflexão turca para o norte. A crescente influência do governo russo através do Movimento Eurasiano Internacional é uma tentativa de fazer da Turquia um aliado de Moscou e um adversário do Ocidente, cortando-lhe o acesso ao restante da Ásia por terra. O fiel da balança, que fica naquilo que Samuel Huntington chamou de "esquina do mundo", têm sido alvo do assédio político e econômico da Rússia. Uma melhora nas relações entre a Turquia e os países ocidentais seria de fundamental importância segurar as pretensões de uma aliança eurasiana antiocidental liderada por Moscou.

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