sexta-feira, 23 de setembro de 2016

A atuação da FSB na nova crise militar na Ucrânia

(Edifício Lubyanka, em Moscou, antiga sede da temida KGB e atual sede da FSB. O serviço passou por diversas nomenclaturas desde sua fundação em dezembro de 1917. É difícil saber onde termina sua atividade e começa a do Estado russo.)

No texto anterior comentei que o principal fator do aumento da tensão militar na Ucrânia e o cercamento do país pelas tropas russas foi a alegada tentativa de ataque terrorista por parte de membros da diretoria geral de inteligência do Ministério de Defesa Ucraniano. Segundo a FSB, serviço secreto russo, na noite de 6 para 7 de agosto um grupo de sete pessoas foi detida perto de Armyansk, na Crimeia, com vinte explosivos caseiros e munição pertencentes ao exército ucraniano. Seu objetivo seria sabotar a infraestrutura da península e prejudicar as eleições federais e regionais ocorridas em 18 de setembro. Na tentativa de prisão do grupo um agente da FSB foi morto e outros dois ficaram feridos. Cidadãos ucranianos e russos, que teriam colaborado com o grupo, também foram presos.

Ao final do meu comentário disse que era provável que a história divulgada pelo relatório da FSB não era verdadeira dado o histórico do serviço secreto russo, sucessor a famosa KGB soviética e da qual surgiu o próprio Vladimir Putin. Mas esta conclusão era genérica dado que conheço muito pouco sobre este órgão, que age, como diz seu nome, nos bastidores e é frequente objeto de discussão entre analistas que têm dificuldades em mensurar seu real poder na Rússia atual.

(Analista político ucraniano Anton Shekovtsov: um dos principais pesquisadores sobre a relação entre o Kremlin e a rede de contatos com a extrema-direita europeia.)

O analista político Anton Shekovtsov apresenta uma explicação plausível que enriquece minha análise anterior. Segundo o pesquisador, a acusação de que a Ucrânia seria responsável pela tentativa de terrorismo era altamente improvável porque, mesmo que o país tenha recebido muito ajuda do Ocidente na crise a ajuda militar com armas leitas era inexistente. Kiev não tem como lidar com um aumento da atividade militar russa. Neste aspecto, o país está sozinho e seria muito contraproducente levar à cabo um atentado terrorista que teria como consequência a intensificação da guerra.

Shekovtsov diz que a tentativa de ataque terrorista era uma operação psicológica (psyop) criada pela FSB no contexto da chamada "situação da Crimeia" cujo o objetivo era aumentar a pressão sobre a Ucrânia e os países ocidentais que impuseram sanções econômicas contra a Rússia. Ele explica que esta atuação tem paralelo com a "Operação Trust" da década de 1920 criada pela então serviço secreto soviético. Na época, a OGPU (futura KGB) criou um falso grupo de monarquistas e anticomunistas para atrair os reais militantes destas causas. Como resultado, os militantes foram reunidos, identificados e eliminados pelo regime, bem como desbaratado sua rede de contatos no país e no exterior.

(Agente identificados pela sigla "FSB", em russo, numa operação antiterrorista [seria na Crimeia?])

A FSB teria criado uma organização ucraniana dentro da Crimeia para atrair nacionalistas ucranianos e simpatizantes locais determinados a reestabelecer a união da península com o país ou pelo menos sabotar a ocupação russa. Os agentes teriam se colocados como membros do diretório geral de inteligência do Ministério da Defesa Ucraniano para que os reais militantes acreditassem da credibilidade da organização e providenciado as bombas e armas apreendidas. Como resultado da prisão dos supostos terroristas (enganados pela FSB), Moscou acusou a Ucrânia de ser autora do plano apresentando-os como agentes de Kiev e, de quebra, disse que era inútil estabelecer negociações para o cessar-fogo.

Cronologicamente esta operação faz sentido quando levamos em consideração que antes da prisão dos supostos terroristas, na noite de 7 para 8 de agosto, no dia 6 já havia grande movimentação de comboios russos na cidade de Kerch em direção à Crimeia. Uma guerra no campo de batalha vem sempre acompanhada de uma guerra de propaganda o que torna mais previsível a compreensão da estratégia, mas quando o serviço secreto entre em cena o cálculo do problema fica mais complicado. Caso contrário o serviço secreto não seria "secreto". Ele está lá para criar confusão, confundir o inimigo e armar a arapuca para os reais combatentes, como os militantes nacionalistas ucranianos que foram apresentados como reais mentores do terrorismo enquanto que a armadilha da guerra era planejada em escritórios na Rússia.

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