sexta-feira, 2 de março de 2018

Alexander Dugin: uma versão russa da direita radical europeia? (por Marlène Laruelle) - parte 1

(Alexander Gelyevich Dugin)

          O artigo a seguir foi escrito em 2006 pela historiadora e cientista política francesa Marlène Laruelle, especialista em política e sociedade russas, através do Instituto Kennan, divisão do Centro Internacional de Especialistas Woodrow Wilson sediado em Washington, EUA. Vinculada a quatro institutos de pesquisa onde atua como pesquisadora, diretora e professora, Laruelle é uma das maiores especialistas sobre temas da Rússia no Ocidente. Seu artigo compõe o quarto capítulo de seu livro Russian Eurasianism: An Ideology of Empire, publicado pelo Centro Woodrow Wilson em 2008 e reeditado em 2012, onde ela introduz a trajetória e o pensamento de Dugin na história do eurasianismo.   

(Marlène Laruelle)

          Devido à extensão do artigo, decidi dividi-lo em sete partes conforme os subtítulos do texto. Apenas nesta primeira parte publico juntas a breve introdução e o primeiro subtítulo.

          Na tradução, mantive a grafia da autora para o nome de publicações e organizações. Traduzi apenas o nome das organizações públicas e estatais e adaptei o nome das personalidades à grafia em inglês para facilitar a identificação. A exceção é o nome de Dugin, que publiquei como "Alexander", grafia pela qual ele é mais conhecido,  ao contrário de "Alexandr" da autora ou o aportuguesado "Alexandre". As notas também são do artigo de Laruelle.

        Cabe lembrar que por ser de 2006, o artigo exclui a trajetória de Dugin a partir deste ano e, portanto, não analisa suas publicações desde então, suas declarações e envolvimento na Guerra da Geórgia em 2008 e na crise na Ucrânia a partir de 2014 e sua passagem pela prestigiada Universidade Estatal de Moscou.

          Boa leitura.


Alexander Dugin: uma versão russa da direita radical europeia? (parte 1)

          Ao estudar o eurasianismo russo contemporâneo - tanto como doutrina quanto como movimento político - alguém que aparece constantemente é Alexander Dugin. Um dos principais motivos pelos qual ele é relevante para qualquer tipo de estudo é o quase-monopólio que exerce sobre uma certa parte do atual espectro ideológico russo. Este espectro inclui uma infinidade de facções de direita, que produzem uma enorme quantidade de livros e uma impressionante quantidade de jornais de pequena circulação, mas que não são facilmente distinguíveis uns dos outros e apresentam pequena consistência e sofisticação teórica. Dugin é o único grande teórico nesta direita radical russa. Está simultaneamente na margem e no centro do fenômeno nacionalista russo. Ele fornece inspiração teórica a muitas correntes e dissemina preceitos que podem ser reciclados em diferentes níveis. Ele está, acima de tudo, se esforçando para ocupar cada nicho do atual mercado ideológico. Parte do pressuposto que a sociedade russa e o establishment político da Rússia estão em busca de uma nova ideologia: ele, portanto, incumbe a si mesmo exercitar sua influência sobre todas as opções ideológicas e suas possíveis formulações.

          Além das qualidade doutrinais que o fazem se destacar no espectro do nacionalismo russo, Dugin é digno de nota por sua produção frenética e prolífica de publicações que começam no início dos anos 1990. Ele publicou mais de uma dúzia de livros, além de textos originais ou artigos tematicamente reorganizados impressos inicialmente em várias revistas ou jornais. Ele também editou várias revistas: Elementy (nove publicações entre 1992 e 1998), Milyi Angel (quatro publicações entre 1991 e 1999), Evraziiskoe vtozhenie (publicado como um suplemento irregular para o semanal Zavtra, com seis publicações especiais em 2000) e Evraziikoe obozrenie (onze publicações de 2001 a 2004). (1) Em 1997, ele escreveu e apresentou uma transmissão de rádio semanal de uma hora, Finnis Mundi, que foi proibida depois que ele falou de forma favorável sobre o terrorista do início do século XX, Boris Savinkov. (2) Dugin também publica regularmente artigos em diversos diários e aparece em vários programas de televisão. Em 1998, ele participou da criação da "Nova Universidade", uma pequena instituição que fornece ensinamentos tradicionalistas e ocultistas para poucos selecionados, onde ensina ao lado de destacadas figuras literárias como Yevgeny Golovin e Yuri Mamleev. Desde 2005, ele tem aparecido no novo canal de TV ortodoxo Spas criado por Ivan Demidov, onde ancora um programa semanal sobre geopolítica chamado Landmarks [Vekhi]. (3) Ele também participa regularmente de mesas-redondas na televisão russa e ocupa um lugar de destaque na internet nacionalista da Rússia. (4)

          Várias tendências intelectuais se manifestam em seu pensamento: uma teoria política inspirada pelo tradicionalismo, (5) uma filosofia religiosa ortodoxa, (6) teorias arianas e ocultistas (7) e concepções geopolíticas e eurasianas. (8) Pode-se esperar que essa diversidade ideológica se reflita na longa evolução da vida intelectual de Dugin. Entretanto, todos estes temas não surgiram sucessivamente, mas coexistiram nos escritos de Dugin desde o início dos anos 1990. Enquanto o eurasianismo e a geopolítica são os mais clássicos e conhecidos "cartões de visita" de Dugin para a opinião pública e as autoridades políticas, suas doutrinas filosófica, religiosa e política são muito mais complexas e merecem uma análise cuidadosa. A diversidade de seu trabalho é pouco conhecida, e muito de suas ideias são frequentemente caracterizadas de forma precipitada e incompleta. Dessa forma, devemos investigar sua linhagem intelectual e tentar entender seu esforço para combinar diversas fontes ideológicas. Dugin é um dos poucos pensadores a considerar que o estoque doutrinal do nacionalismo russo se depreciou e deve ser revitalizado com a ajuda de insumos do Ocidente. Ele está, portanto, "ancorando" o nacionalismo russo em teorias mais globais e agindo como mediador do pensamento ocidental. É este aspecto de Dugin que será o foco deste artigo.

A TRAJETÓRIA SOCIAL DE DUGIN E SEU SIGNIFICADO

          É particularmente importante entender o complexo lugar de Dugin no neoeurasianismo, uma vez que, em certa medida, sua posição é representativa de certos fenômenos mais gerais e, portanto, ajuda a traçar a evolução das ideias nacionalistas russas no últimos vinte anos ou mais. Entre 1985 e 1990, Dugin era claramente a favor de um neoeurasianismo "de direita" e próximo de círculos conservadores ou mesmo monarquistas. Em 1988, ele entrou na organização ultranacionalista e anti-semita Pamiat, mas não se sentiu intelectualmente à vontade, uma vez que suas ideias para uma renovação doutrinária da direita eram inoportunas nesta organização fundamentalmente conservadora. Assim, deixou o Pamiat no ano seguinte condenando seu monarquismo nostálgico e anti-semitismo vulgar. Em 1990-1, ele fundou diversas instituições próprias: a Associação Arctogaia, bem como uma editora de mesmo nome, e o Centro para Estudos Meta-Estratégicos. Durante este período, Dugin se aproximou do Partido Comunista de Gennady Ziuganov e se tornou um dos mais prolíficos contribuintes do proeminente jornal patriótico Den (mais tarde renomeado Zavtra), que na época estava no auge de sua influência. Seus artigos publicados neste jornal contribuíram para a disseminação de teorias eurasianas nos círculos nacionalistas russos. No início ele foi apoiado pelo pensador nacionalista Alexander Prokhanov, que acreditava que apenas o eurasianismo poderia unificar os patriotas, que ainda estavam divididos entre "Brancos" e "Vermelhos", mas Prokhanov rapidamente se afastou e condenou o eurasianismo por ser muito turcocêntrico.  

          A partir de 1993-4, Dugin se afastou do espectro comunista e se tornou o ideólogo do novo Partido Nacional-Bolchevique (PNB). Nascido da convergência entre a antiga contracultura e grupos patrióticos soviéticos, o PNB estabeleceu com sucesso sua ideologia entre os jovens. A Arctogaia de Dugin serviu como think thank para as atividades políticas do líder do PNB, Eduard Limonov. Os dois homens compartilhavam do desejo de desenvolver laços íntimos com a esfera da contracultura, em particular com os músicos punk e rock de mentalidade nacionalista, como Yegor Letov, Sergei Troitsky, Roman Neumoev ou Sergei Kurekhin. (9) Em 1995, Dugin chegou a concorrer nas eleições da Duma sob a bandeira do PNB num distrito eleitoral suburbano perto de São Petersburgo, mas recebeu menos de um por centro dos votos. (10) Entretanto, este fracasso eleitoral não o prejudicou, pois ele estava simultaneamente ocupado escrevendo numerosos trabalhos filosóficos e esotéricos para desenvolver o que ele considerava ser a "ortodoxia" neoeurasiana. Limonov descreveria então Dugin como "o 'Cirilo e Metódio' do fascismo, uma vez que ele trouxe fé e conhecimento sobre isto do Ocidente para o nosso país". (11)    

          Dugin deixou o Partido Nacional-Bolchevique em 1998 devido a numerosos desacordos com Limonov, buscando como alternativa entrar em estruturas mais influentes. Ele esperava se tornar um "conselheiro do príncipe" e se apresentou para as autoridades como o think thank de um homem só. Ele conseguiu se estabelecer como conselheiros do porta-voz da Duma, o comunista Gennadiy Seleznyov e, em 1999, se tornou presidente da seção de geopolítica do Conselho Consultivo sobre Segurança Nacional da Duma, dominado pelo ultra-nacionalista Partido Liberal Democrático da Rússia, liderado por Vladimir Zhirinovsky. Na época, Dugin parecia exercer certa influência em Zhirinovsky, bem como em Alexander Rutskoy do Partido Social Democrata e Gennady Zyuganov do Partido Comunista. (12) O último, por exemplo, pegou de Dugin a ideia de que o nacionalismo russo não entra em conflito com a expressão de sentimentos nacionais de minorias. De fato, Zyuganov apresentou o PCFR como o principal defensor do nacionalismo tártaro e do budismo de Kalmyk. Seu livro  Russia after the Year 200: A Geopolitical Vision for a New State foi diretamente inspirado pelas ideias de Dugin sobre o caráter distintivo da "ciência" geopolítica russa e sua ideia de que a renovação da Rússia é a única garantia de estabilidade mundial. Dugin também publica regularmente em sites oficiais russos, como www.strana.ru, onde ele apresenta suas ideias sobre a oposição entre o império eurasiano reemergente e o modelo atlanticista.

          A entrada de Dugin nas estruturas parlamentares foi amplamente possível pela publicação (em 1997) da primeira versão do seu trabalho mais influente, The Foundations of Geopolítics: Russia´s Geopolitical Future. (13) Ele é considerado um importante estudo de geopolítica, e geralmente é apresentado como a obra fundadora da escola russa de geopolítica. Em 2000, o trabalho já havia sido reeditado quatro vezes, e se tornou uma importante publicação política desfrutando de um grande número de leitores nos círculos acadêmicos e políticos. Na verdade, Dugin sempre esperou influenciar jovens intelectuais promissores, bem como importantes círculos políticos e militares. Ele afirmou que seu Centro de Perícia Geopolítica* poderia rapidamente se tornar um "instrumento analítico que ajudasse a desenvolver a ideia nacional" (14) para os poderes executivo e legislativo.

          Desde o início dos anos 1990, Dugin esteve especialmente interessado em entrar em contato com oficiais militares ativos: vindo de uma família de militares, afirma regularmente que apenas o exército e os serviços secretos têm um verdadeiro senso de patriotismo. Dessa forma, em 1992, a primeira edição de Elementy trouxe textos de três generais que então eram os chefes de departamento na Academia do Estado-Maior. (15) Além disso, The Foundations of Geopolitics parece ter sido escrito com o apoio do general Igor Rodionov, que foi ministro da defesa em 1996-7. (16) Graças a este livro, Dugin foi convidado a ensinar na Academia do Estado-Maior, bem como no Instituto para Pesquisa Estratégica em Moscou. Ele lhes ofereceu uma certa visão da política internacional adornada por um "isolacionismo que serve apenas para disfarçar um projeto de expansão e conquista." (17) Após este bestseller, Dugin expandiu consideravelmente sua presença na principal mídia russa; para alguns, ele se tornou uma personalidade respeitável da vida pública. O sucesso de seu livro de geopolítica, agora usado como leitura em numerosas instituições de ensino superior, bem como suas aulas na Academia do Estado-Maior e na chamada Nova Universidade, satisfaz seu desejo de alcançar as elites políticas e intelectuais.

          Dessa forma, os anos 1998-2000 viram a transformação das tendências políticas de Dugin numa corrente específica que aplica múltiplas estratégias de penetração, visando a contracultura juvenil e as estruturas parlamentares. Dugin se afastou dos partidos de oposição, como o PCFR e o PLDR, e se aproximou de grupos centristas dando seu apoio ao então primeiro-ministro, Yevgeny Primakov. Em 2000, Dugin participou brevemente do movimento Rossiia liderado pelo comunista Gennadiy Seleznyov e escreveu seu manifesto, antes de sair devido a desentendimentos com sua liderança. A eleição de Putin como presidente em março de 2000 causou uma mudança ainda mais forte nas atitudes políticas de Dugin, quando começou a se aproximar do novo homem forte do país. 

          Em 21 de abril de 2001, ele resolveu colocar as cartas na mesa e criou um movimento chamado Evraziia, do qual foi eleito presidente. Durante sua convenção fundadora, o Evraziia - geralmente descrito como uma ideia do conselheiro presidencial Gleb Pavlovsky, que é próximo de Dugin - se reuniu oficialmente com Putin e propôs participar nas próximas eleições como parte de uma coalizão governamental. O objetivo do movimento, de acordo com a declarações de Dugin, é formular a "ideia nacional" que a Rússia necessita: "nosso objetivo não é chegar ao poder, nem lutar pelo poder, mas lutar por influência sobre ele. Essas são coisas diferentes." (18) Em 30 de maio de 2002, o Evraziia foi transformado em partido político, que Dugin define como "radicalmente centrista", uma formulação ambígua que decorre de sua atitude tradicionalista. Dugin aceita a combinação de "patriotismo e liberalismo", que afirma que Vladimir Putin propõe, com a condição de que o elemento liberal se mantenha subservientes aos interesses do Estado e aos imperativos da segurança nacional. Como ele diz, "nosso patriotismo não é apenas emocional, mas também científico, baseado na geopolítica e nos seus métodos," (19) uma afirmação clássica dos neoeurasianos. De acordo com seus próprios dados, o novo partido tem 59 agências regionais e mais de 10.000 membros. Sua criação foi saudada publicamente por Alexander Voloshin, então chefe da administração presidencial, e Alexander Kosopkin, chefe do Departamento de Assuntos Internos da administração.

          Dugin também recrutou o apoio de outro figura influente próxima ao presidente, Mikhail Leontev, o apresentador da Odnako (transmitido pelo Pervyi kanal, o primeiro canal da TV estatal russa), que se juntou o Comitê Central do partido. Fortalecido pelo seu sucesso depois das demostrações públicas de reconhecimento, Dugin esperava adquirir influência dentro de uma nova e promissora formação eleitoral, o bloco Rodina, e usá-la como plataforma para uma candidatura nas eleições parlamentares em dezembro de 2003. Entretanto, essa aliança era taticamente de curta duração e questionável no seu conteúdo ideológico. Dessa forma, Dugin nunca escondeu seus desdém pela nostalgia monarquista e a ortodoxia politizada representada pelos líderes do Rodina, como Dmitri Rogozin e Natalia Narochnitskaia. Na verdade, parece que Sergei Glazyev (20) foi o responsável pela aproximação de Dugin. Embora Glazyev não possa ser considerado um neoeurasiano, ele participou da convenção fundadora do Evraziia em 2002. Os dois homens compartilham um interesse em políticas econômicas pró-socialistas, e Dugin reconheceu sua simpatia pelas ideias econômicas de Glazyev (que ele chama de "saudáveis) mesmo depois deste último deixar o Rodina em março de 2004.

          Dugin e Glazyev se conheceram em fevereiro de 2003 para constituir um partido que definiram como "patriota de esquerda". Em julho, o Evraziia declarou-se pronto para apoiar a criação deste bloco eleitoral. Entretanto, ocorreram discussões internas sobre personalidades: o bloco precisava escolher três líderes que certamente se tornariam deputados se aprovados e se beneficiaria principalmente da publicidade da campanha. Dugin esperava ser escolhido, mas foi impedido por sua marginalidade política ligada à sua reputação como um teórico extravagante, cujas ideias são complexas demais para transmitir uma estratégia eleitoral. (21) No fim de setembro, o desapontado Dugin deixou o bloco Rodina explicando numa conferência à imprensa que o nacionalismo do Rodina era radical demais para ele - uma afirmação que deve tirar um sorriso daqueles mais familiarizados com seu trabalho. Este cenário nacionalista não o perturbou até então. Nem ele se aproximou do Rodina quando certos nacionalistas excessivamente virulentos como V. I. Didenko, líder do pequeno partido Spas, foram expulsos da lista de candidatos do bloco por pressão do Kremlin.  

          As acusações de Dugin contra o Rodina se dividem em duas categorias. Ele condena o bloco por ser muito próximo ao PCFR e sua oligarquia e critica seu "populismo irresponsável." Ele também se dirige aos que chama de "chauvinistas de direita": Sergei Baburin e o movimento Spas. (22) Por outro lado, Dugin insiste na missão conciliatória e multinacional do seu partido Evraziia, que "representa não apenas os interesses dos russos, mas também dos pequenos povos e das confissões tradicionais." (23) Dugin também acusou alguns membros do Rodina de racismo e anti-semitismo, destacando que o partido inclui ex-membros da Unidade Nacional Russa (24), bem como Andrei Savelyev, que traduziu Main Kampf para o russo. O primeiro conjunto de críticas é justificada pelas próprias convicções de Dugin: ele nunca escondeu seu desdém pelo atual Partido Comunista, não aprecia a atitude emocional dos ortodoxos em questões de política internacional, rejeita toda a nostalgia czarista, sempre denunciou o racialismo das teorias de Barkashov e condena o populismo eleitoral. O segundo conjunto de críticas parece mais oportunista: uma leitura atenta dos trabalho de Dugin releva claramente seu fascínio pela experiência nacional-socialista e seu ambíguo anti-semitismo. Hoje, Dugin está tentando minimizar esses aspectos do seu pensamento para se apresentar como um pensador "politicamente correto" esperando ser reconhecido pelo regime de Putin.

          Por ouro lado, conteúdos de Dugin emprestados ideologicamente do Rodina parecem bastante raros. Suas ideias tradicionalistas, nacional-bolchevistas e esotéricas, que constituem uma importante parte de seu pensamento, não são apreciadas pelo Rodina e não exerceram qualquer influência nas concepções do bloco. Na verdade, o Rodina é mais conservador do que revolucionário e não pode aceitar as sugestões provocativas de Dugin, que muitas vezes visam romper a ordem social. O aspecto estritamente neoeurasiano das ideias de Dugin - sua mais conhecida "marca registrada" na sociedade russa de hoje - está em sintonia com algumas concepções geopolíticas do Rodina, mas essa concordância é, na verdade, baseada no antiocidentalismo que é comum a ambos, e não numa visão compartilhada da Rússia como uma potência eurasiana. Por esta razão, apesar da tentativa de aliança, não se pode dizer que o Rodina tenha adotado elementos no pensamento neoeurasiano no sentido estrito do termo. Mesmo assim, essas relações difíceis não impediram Dugin de ficar entusiasmado com os resultados das eleições de dezembro de 2003, que levaram quatro partidos políticos (o partido presidencial Rússia Unida, o PCFR, o PLDR e o Rodina) para a Duma. Dugin tem conexões com cada um deles, e alguns membros de cada um destes partidos reconhecem abertamente terem sido inspirados por suas teorias. 

          Depois de seu fracasso pessoal no Rodina, Dugin reorientou suas estratégias para longe da esfera eleitoral, em direção à comunidade acadêmica. Daí a transformação do seu partido num "Movimento Eurasiano Internacional" (MEI), formalizado em 20 de novembro de 2003. O novo movimento inclui membros de cerca de vinte países, e seu principal apoio parece vir do Cazaquistão e da Turquia. Enquanto a organização original fundada em 2001 era composta principalmente de figuras da sociedade civil, (25) o Conselho Supremo do novo Movimento Eurasiano inclui representantes do governo e do parlamento: Mikhail Margelov, chefe do Comitê de Relações Internacionais do Conselho da Federação (a Câmara Alta do parlamento), Albert Chernyshev, embaixador da Rússia na Índia, Viktor Kalyuzhny, vice-ministro das Relações Exteriores, Aleksey Zhafyrov, chefe do Departamento de Partido Político e Organização Social no Ministério da Justiça, etc. O MEI chegou a pedir oficialmente que Vladimir Putin ou Nursultan Nazarbaev chefiassem o Conselho Supremo do movimento. Dugin felicita-se de ter ido além de um mero partido político para uma organização internacional. Ele agora cultiva sua imagem nos países vizinhos, divulgando fortemente suas viagens à Turquia, mas também para o Cazaquistão e à Bielorrúsia. Dugin se tornou um zeloso apoiador da União Econômica Eurasiana e tem o prazer de pensar que influenciou as decisões de Alexander Lukashenko e Nursultan Nazarbaev a favor de um integração mais próxima de seus países com a Rússia. Seu site também apresenta os diferentes grupos eurasianos em países ocidentais. A Itália está particularmente bem representada com numerosas traduções dos textos de Dugin, diversos sites inspirados pelo eurasianismo e uma revista, Eurasia. Rivista di studi geopolitici. A França é representada pela associação "Paris-Berlin-Moscou", enquanto a Grã-Bretanha há muito tempo possui um movimento eurasiano próprio. As associações austríaca, finlandesa, sérvia e búlgara e, claro, organizações em outras ex-repúblicas soviéticas, especialmente na Ucrânia e no Cazaquistão, são apresentadas como "partidos fraternais".          

          Tendo recebido entusiasticamente Vladimir Putin como o "homem eurasiano", (26) agora Dugin, desde 2005, parece estar profundamente desapontado com o presidente. De acordo com ele, Putin hesita em adotar um postura definitivamente eurasiana e sua comitiva é dominada pelo atlanticismo e por figuras excessivamente liberais. Nas relações atuais, Dugin está tentando jogar com a onda de antiocidentalismo que varreu parte da cena política russa depois das revoluções na Geórgia em 2003, na Ucrânia em 2004 e no Quirguistão em 2005. Ele assim estabeleceu a União da Juventude Eurasiana, liderada por Pavel Zarifullin, que se tornou bastante visível em setembro de 2005 com a criação amplamente divulgada de uma "frente anti-laranja." Dugin persegue, com relativo sucesso, seu objetivo de construir uma hegemonia cultural global: ele está tentando ganhar espaço nos movimentos de globalização alternativa (que promove alternativas à globalização liderada pelos EUA) e participar de reagrupamentos ideológicos internacionais. Essa direita, que Dugin moderniza e renova profundamente em suas teorias, parece assim ter sucesso em sua estratégia de entrar nas estruturas de esquerda, que estão mal informadas e buscam por todo e qualquer aliados na sua luta contra a dominação americana.

          Dessa forma, a presença regular, mas sempre temporária de Dugin no campo político não pode ser considerada uma nova fase de sua vida que se construiria sobre um corpo já completo de doutrinas. Embora Dugin esteja atualmente se concentrando no seu envolvimento com o movimento eurasiano e na publicações sobre o eurasianismo, não se deve esquecer que uma combinação similar ocorreu de 1994 a 1998, quando sua associação com o Partido Nacional-Bolchevique andou de mãos dadas com as publicações sobre o conceito de nacional-bolchevismo. Assim, Dugin parece ajustar sua estratégia de acordo com as oportunidades disponíveis para influenciar a opinião pública. Além do mais, ele continua ainda hoje a disseminar as ideais tradicionalistas, que têm sido seu pilar desde o início, apresentando um alto grau de consistência doutrinal. O que evoluiu é seu status público, marcado por seu desejo de não ser mais considerado um intelectual original e marginal, mas ser reconhecido como uma personalidade política respeitável próxima aos círculos de poder.

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* Traduzido do nome em inglês, "Center for Geopolitical Expertise". Não há tradução do nome do centro em português.

(1) Para mais detalhes sobre a distribuição dessas publicações (impressões, reedições), ver: Andreas Umland, “Kulturhegemoniale Strategien der russischen extremen Rechten: Die Verbindung von faschistischer ideologie und metapolitischer Taktik im Neoeurasismus des Aleksandr Dugin,” Österreichische Zeitschrift für Politikwissenschaft, vol. 33, no. 2/2004, pp. 437–454.

(2) Vyacheslav Likhachev, Natsizm v Rossii, Moscow: Panorama, 2002, p. 103.

(3) O título deste show não é neutro. Se refere à famosa coleção de artigos de 1909 chamada Vekhi, considerado o manifesto contra a ideologia da intelligentsia radical. Os autores do Vekhi defendiam a primacia do espiritual e apelavam à intelligentsia revolucionária para que reconhecessem a origem espiritual da vida humana: para eles, apenas o idealismo concreto, manifesto no russo na forma de uma filosofia religiosa, permite objetivar o misticismo tradicional e fundir conhecimento e fé.

(4) Todas as suas publicações estão disponíveis na internet. Seus dois sites, Arctogaia (www.arcto.ru) e Evraziia (www.evrazia.org) também incluem links para a rede nacionalista que inclui sites como Novoe soprotivlenie (New Resistence), além de revistas disponíveis na internet como Lenin.

(5) The Ways of the Absolute (Puti absoliuta), escrito em 1989 e publicado em 1991, The Conservative Revolution (Konservativnaia revoliutsiia, 1994), Goals and Tasks of our Revolution (Tseli i zadachi nashei revoliutsii, 1995), Templars of the Proletariat (Tampliery proletariata, 1997), The Philosophy of Traditionalism (Filosofiia traditsionalizma) e The Evolution of the Paradigmatic Foundations of Science (Evoliuciia paradigmal’nykh osnovanii nauki, 2002), The Philosophy of Politics (Filosofiia politiki) e The Philosophy of War (Filosofiia voiny, 2004).

(6) The Metaphysics of the Gospel: Orthodox Esotericism (Metafizika Blagoi Vesti (Pravoslavnyi ezoterizm), 1996) e The End of the World. Eschatology and Tradition (Konets sveta: Eskhatologiia i tradiciia, 1997).

(7) The Mysteries of Eurasia (Misterii Evrazii) e The Hyperborean (Giperboreec, 1991), The Hyperborean Theory (1993).

(8) Conspirology (Konspirologiia, 1992, republicado em 2005), The Foundations of Geopolitics (Osnovy geopolitiki, 1996, quatro reedições), Our Way. Strategic Prospects for the Development of Russia in the 21st Century (Nash put’. Strategicheskie perspektivy razvitiia Rossii v XXI veke, 1998), The Russian Thing. Essays in National Philosophy (Russkaia veshch’. Ocherki natsional’noi filosofii, 2001), The Foundations of Eurasianism (Osnovy evraziistva), The Eurasianist Path (Evraziiskii put’) e The Eurasian Path as National Idea (Evraziiskii put’ kak natsional’naia ideia, 2002).

(9) Markus Mathyl, “The National-Bolshevik Party and Arctogaia: Two Neo-fascist Groupuscules in the Post-Soviet Political Space,” Patterns of Prejudice, vol. 36, no. 3/2003, pp. 62–76.

(10) Stephen Shenfield, Russian Fascism. Traditions, tendencies, movements, London: M. E. Sharpe, 2001, p. 194.

(11) Eduard Limonov, Moya politicheskaia biografiia, St. Petersburg: Amfora, 2002, p. 64.

(12) Andrei Tsygankov, “Hard-Line Eurasianism and Russia’s contending geopolitical perspectives,” East European Quaterly, no. 3, 1998, pp. 315–334.

(13) Osnovy geopolitiki: Geopoliticheskoe budushchee Rossii, Moscow: Arktogeya, 1997. Sobre esse livro, see J.B. Dunlop, “Aleksandr Dugin’s ‘Neo-Eurasian’ Textbook and Dmitrii Trenin’s Ambivalent Response,” Harvard Ukrainian Studies, vol. xxv, no. 1-2/2001, pp. 91–127. [

(14) Aleksandr Dugin, “Evraziiskaia platforma,” Zavtra, 21 January 2000.

(15) Wayne Allensworth, The Russia Question: Nationalism, Modernization, and PostCommunist Russia, Lanham, Md.: Rowman & Littlefield, 1998, e “The Eurasian Project: Russia-3, Dugin and Putin’s Kremlin,” artigo apresentado na Convenção Nacional da Associação Americana para o Avanço dos Estudos Eslavos, Salt Lake City, 4-6 November 2005.

(16) Para detalhes sobre as conexões de Dugin com círculos militares, ver: Dunlop, op. cit., pp. 94, 102.

(17) Françoise Thom, “Eurasisme et néoeurasisme,“ Commentaires, no. 66/1994, p. 304.

(18) “Evraziistvo: ot filosofii k politike,” artigo de Dugin no congresso de fundação do movimento Evraziia, 21 April 2001.

(19) “My—partiia natsional’noi idei,” artigo de Dugin na conferência ao preparar a transformação do Evraziia em partido político, 1 March 2002.

(20) Um economista por prática, Glazyev era conhecido desde o colapso da União Soviética como um partidário das reformas econômicas. Em 1991, ele foi nomeado vice-ministro (e, em dezembro de 1992, ministro) de Relações Econômicas Externas no governo de Egor Gaidar. Ele renunciou depois dos eventos de outubro de 1993, quando se recusou a apoiar Boris Yeltsin na sua luta contra a Casa Branca. Entre 1992 e 1995, foi deputado da Duma, presidindo o comitê do parlamento sobre políticas econômicas. Entre 1995 e 1999, ele trabalhou no Conselho da Federação e se aproximou de Alexander Lebed. Durante esses anos, Glazyev mudou de ideia sobre seus princípios econômicos liberais e se aproximou dos comunistas. Hoje ele é um intervencionista e estatista em questões econômicas, embora não advogue um retorno ao modelo soviético. Em 1999, foi eleito deputado pela lista do PCFR. Dentro do Rodina, Glazyev representou a ala esquerda. Apesar de sua repentina saída do bloco eleitoral, ele conseguiu se candidatar nas eleições presidenciais em março de 2004 e obteve 4,1% dos votos.

(21) Dunlop, op. cit., p. 104.

(22) “Partiia Evraziia vykhodit iz bloka Glaz’eva,” Km.Ru, 19 September 2003, http://www.km.ru/news/view.asp?id=7D D7770F40434412B24FDB116 DB19000.

(23) http://glazev.evrazia.org/news/190903- 1.html.

(24) A Unidade Nacional Russa (UNR), de Alexander Barkashov, foi um dos primeiros grupos a emergir depois do racha do Pamiat. Barkashov, que rejeita a nostalgia ortodoxa e czarista dos líderes do Pamiat, fundou seu próprio movimento, bem como o jornal do partido, Russkii poriadok. A UNR pegou uma parte significativa de seus símbolos do nazismo: a suástica, a saudação romana, as roupas paramilitares e partes do programa do PNSTA [Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães], incluindo uma economia mista e teorias eugênicas. O UNR afirma que a URSS implementou um programa de miscigenação racial entre eslavos e povos não-arianos com o objetivo de fazer os eslavos desaparecerem. O UNR diferiu de diversos outros grupos nacionalistas pós-soviéticos em sua definição racialista de nação russa. O movimento implodiu em 2000 e agora está dividido em numerosos pequenos grupos.

(25) A principal exceção era Dmitry Riurikov, um dos conselheiros de Boris Yeltsin sobre política internacional. Em 2001, ele se tornou membro do conselho central do Evraziia enquanto era embaixador da Rússia no Uzbequistão (mais tarde foi transferido para a Dinamarca).

(26) Em russo é impossível distinguir entre "eurasiano" e "eurasianista" (evraziiskii chelovek).