segunda-feira, 15 de junho de 2015

O proveito de Putin e a cautela de Francisco


O presidente da Rússia, Vladimir Putin, fez uma viagem à Itália no mesmo período em que ocorria a reunião anual do G7 na Alemanha, do qual foi excluído pelo segundo ano consecutivo. Sua visita a este país serviu para mostrar aos líderes ocidentais de que não está totalmente isolado, a exemplo de uma relação mais amistosa e frutífera com os italianos. O ponto alto da viagem de Putin, porém, foi sua visita ao Papa Francisco, no dia 10 de junho. O encontro foi o segundo entre os dois líderes (o primeiro ocorreu em novembro de 2013).

O importante aqui é ver como o Vaticano se posiciona quando se trata do tema Rússia e como a crise na Ucrânia torna ainda mais sensível as relações entre a Santa Sé e os cristãos do leste.

A visita de Putin a Francisco foi precedida horas antes pela declaração do embaixador dos EUA no Vaticano, Kenneth Hackett, de que o Papa deveria ter uma postura firme (leia-se: condenar) à respeito do papel da Rússia na crise na Ucrânia e na defesa da integridade territorial deste país. A declaração causou reação do governo russo que, pelo seu porta-voz Dmitry Plekov, disse que o pedido americano é uma interferência explícita na soberania dos outros países.

Numa atmosfera cercada seriedade, Putin encontrou o Papa, que o esperava por uma hora sem sua característica jovialidade. Foram 50 minutos de conversa às portas fechadas. A discussão, divulgada por uma comunicado da Santa Sé através de seu porta-voz (inglês) girou em torno da situação na Ucrânia, como a necessidade de garantir maior ajuda humanitária às vítimas da guerra, e o cumprimento do Acordo de Minsk; e do Oriente Médio, principalmente a perseguição aos cristãos na Síria e no Iraque, tema frequentemente mencionado pelo Papa em outras ocasiões.

A questão que fica é: por que Francisco não foi duro na condenação da interferência da Rússia na Ucrânia? Penso que o envolvimento russo no país vizinho e sua proximidade histórica com a Igreja Ortodoxa Russa coloca o Vaticano numa situação extremamente delicada. Uma crítica firme à atitude russa poderia ter consequências num tema muito caro à Igreja Católica: a reaproximação com os ortodoxos. Uma posição explícita do Papa poderia implicar numa partidarização do conflito ucraniano dando contornos religiosos à uma guerra que possui razões ideológicas e geopolíticas, e não religiosas, o que contribuiria para o aprofundamento da divisão entre católicos e ortodoxos. Como pontífice, é missão de Francisco restaurar a unidade entre os cristãos, visto pela Igreja de Roma como um "escândalo".

A atitude do Papa causa reações distintas entre católicos e ortodoxos. Líderes católicos ucranianos, por exemplo, veem criticamente a não condenação da ação russa pela Santa Sé, e ao mesmo tempo alguns líderes ortodoxos russos, como o patriarca Kirill, metropolita de Moscou, e o próprio Putin, expressam admiração pela posição cautelosa de Francisco à respeito da Ucrânia.

Se Francisco não pode (e não deve) tomar partido na crise na Ucrânia, Putin aproveita a situação para driblar o isolamento político liderado pelo G7 e fazer uma defesa diplomática de valores "conservadores" e dos cristãos perseguidos pelo mundo. A inflexão nacionalista e "eurasiana" da Rússia a partir da década de 2000, especialmente no atual mandato de Vladimir Putin, tem, a exemplo da mencionada Itália, se refletido em tentativas de cooptar simpatizantes no Ocidente. A pressão dos EUA sobre o Vaticano por via diplomática é uma reação pontual mas clara ao projeto russo. Se o Papa tem a missão se unir os cristãos aproveitando-se, de forma consciente ou não, dessa inflexão russa, por outro lado a Rússia volta-se ao Ocidente não para aceita-lo enquanto tal, mas integrá-lo no seu projeto global e subordina-lo, a longo prazo, à sua liderança.

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